PORQUE NÃO
SE DEVE OBRIGAR UMA CRIANÇA A DAR UM BEIJO…
Aprender a consentir é uma parte vital da educação
sexual, e forçar o afeto de uma criança a um membro da família apenas a
confunde
"Quando coagimos uma criança a beijar ou abraçar
alguém que não quer, estamos a dizer-lhe que o que ela sente não importa."
Este artigo NÃO é: sobre como proibir uma criança que quer se sentar no colo da avó, ou dar um
beijo ao avô, ou abraçar a tia. Não é sobre ser exageradamente e politicamente
correto ou tentar impedir a vida normal do núcleo
familiar.
Este artigo é sobre o seguinte: as
crianças têm instintos poderosos e às vezes os adultos passam por cima delas, devido a cortesias sociais do seu próprio interesse, não do da criança. Por
vezes as crianças não querem beijar um familiar ou amigo da família, por
qualquer razão, e contudo os adultos querem que o façam por que é simpático ou
educado. Quando é obrigada a beijar ou abraçar alguém que não quer, a criança
entende que o que ela sente, o que ela quer fazer com o próprio corpo, não
interessa. Que os desejos e sensibilidades do adulto
importam mais.
Esta atitude é muito mais perigosa
do que podemos imaginar. Se transmitimos às crianças a ideia de que o
seu corpo não lhe pertence, ou que não têm o direito de recusar, mesmo algo tão
inocente como dar um beijo à avó, quando ou se surgir um adulto mal-intencionado,
elas podem não se sentir capazes o suficiente para dizer "não". Como
é que a criança pode aprender essa lição por magia? Não podemos esperar que uma
criança nos faça a vontade quando queremos, e a seguir como que por magia
cresça e "saiba o que quer". Para saberem o que querem têm de ter o
direito de o dizer.
Lucy Emmerson, coordenadora do Sex Education Forum, emitiu esta opinião recentemente e foi alvo de
muitas críticas. Na edição de janeiro de The
Sex Education Supplement: the Consent Issue (Suplemento de Educação Sexual:
a Questão do Consentimento), Emmerson disse que se sentia desapontada por saber
que três em cada dez jovens não aprendiam nada sobre consentimento na escola;
não sobre o facto de a idade considerada suficiente para consentir ser 16 anos
- a maior parte sabia isso - mas "sobre
situações da vida real e o que fazer se 'algo acontece'".
Emmerson acredita que aprender sobre consentimento
começa desde os zero anos de idade. "As
crianças aprendem muito com as experiências do dia-a-dia, sobre se a sua
opinião é ou não valorizada, e se têm algum controlo sobre o contacto físico
com outras pessoas".
Mais adiante, na revista online, dirigida a professores e profissionais, há ideias de aulas.
Nas do 1º ano, são apresentadas ideias para promover pensamentos nas crianças
"sobre consentimento e toque físico…
por exemplo se queremos ou não dar um beijo a um amigo ou familiar ou abraçar
alguém". E dá sugestões para responder a perguntas como "quando é que é correto deixar alguém
tocar-me?” e "como posso dizer 'não'
se não quiser que alguém me toque?" Para os interessados, recomenda um
livro intitulado Um Beijo Como Este de
Laurence e Catherine Anholt. Existir alguém que não concorde com isto
confunde-me. A crítica a Emmerson é que se trata da "loucura do
politicamente correto ". Como? Como
é que pode ser uma coisa má ensinar às crianças que elas controlam tanto os
seus corpos, como com quem têm contacto físico próximo? Outra crítica é que
destrói a vida familiar. Então a criança
não faz parte da família? Não é o seu membro mais vulnerável? Ninguém pretende
impedir uma criança de saltar para o colo de alguém e dar-lhes um beijo se ela
quiser. Mas, e se não quiser? Tudo bem, certo?
"As
crianças," diz Peter Saunders, diretor executivo da National Association for People Abused in
Childhood (Associação Nacional de Pessoas Abusadas na Infância), "no que toca a estes assuntos, nunca
deviam ser forçadas a fazer nada que lhes cause desconforto. As crianças são
instintivas e intuitivas com as pessoas com quem não se sentem confortáveis. E
nós temos de respeitar isso." "Há algumas coisas que obrigamos as
crianças a fazer que é muito diferente," diz Saunders. "Nós obrigamo-las a lavar os dentes,
por exemplo. É muito diferente de forçá-las a beijar um tio quando não querem.
Tem a ver com limites. E este esbatimento dos limites [força-los a beijar
alguém que não querem beijar] pode mesmo comprometer a sua compreensão do que é
certo e do que é errado, e sobre se o seu corpo lhes pertence."
O seu filho/a pode não querer dar um beijo aos
avós apenas porque naquele dia não lhe apetece. Mas um dia, pode ter um verdadeiro instinto em relação a alguém. Não se pode
ter tudo. Se um adulto se sente ofendido porque uma criança não lhe dá um beijo
ou não quer estar perto dele, então é o adulto que tem de lidar com esses
sentimentos de abandono, não cabe à criança fazê-lo sentir-se melhor.
Versão traduzida do artigo original Why you
shouldn't force a child to kiss a grandparent, da autora Annalisa Barbieri, na sua crónica Parents and
parenting.
Disponível no link http://www.theguardian.com/commentisfree/2014/jan/08/shouldnt-force-child-kiss-grandparent-consent-sex-education
Uma contribuição de Ana Leite (psicóloga escolar
e da educação, coordenadora do SPO)
Sem comentários:
Enviar um comentário